Andréa Rosa, Site RH.com.br

Em 2004 venceu o prazo dado pela Lei, para que empresas com mais de 100 funcionários ocupem de 2% a 5% das vagas com pessoas portadoras de deficiências. Muitas empresas conseguiram fazer acordos, através dos quais foi dado um prazo adicional de dois anos para a adequação à legislação. Isso fez jus a ênfase dada ao assunto a partir de 2007, pois dali em diante, as empresas que não cumprissem a lei estariam sendo multadas, sendo esta equivalente a um valor de pouco mais de mil reais por dia, por pessoa não contratada.

A nova realidade, literalmente à porta, passou a ser pauta constante nas reuniões formais e informais de diversos profissionais (contabilistas, administradores, psicólogos, advogados etc.) e não menos no círculo dos empresários. Afinal, existem diversos temas irrevogáveis dentro das organizações, quer obrigatórios devido às normas legais; quer obrigatórios devido à boa imagem da empresa e à sua interatividade com a comunidade onde está inserida. E o tema “trabalhadores deficientes” é um desses, concentrando em si as duas nuances de irrevogabilidade.

Em 2007, enquanto Analista de Desenvolvimento de uma grande empresa, mas subordinada a uma direção central de Gestão de Pessoas, fui convocada a participar de uma formação, à distância, sobre a então emergente Lei de Cotas 8.213/91 (que dispõe sobre planos de benefícios da Previdência e regulamentada pelo Decreto 357 – dispondo sobre o direito do deficiente ao trabalho em setor privado, com cotas sobre o número de trabalhadores da empresa) e os demais fatores inclusos num processo de contratação, integração e desenvolvimento de pessoas deficientes nas empresas.

Minha primeira inquietude interna foi: um treinamento à distância para tratar de um assunto tamanhamente delicado, particular e com especificidades significativas na sua execução prática? Qual seria a metodologia diferenciada desse treinamento que nos permitiria conhecer e dominar essa nova política de Gestão de Pessoas e assim nos capacitar pratica e objetivamente a recrutar, selecionar, contratar, integrar e desenvolver esses profissionais especiais? O fato é que concluí o treinamento on-line, mas não permaneci na equipe para acompanhar esse processo de mudança interno. Entretanto, minhas inquietudes permaneceram e, em maior proporção, o desejo de verdadeiramente ir mais fundo no tema.

Através de um site de relacionamento, postei uma enquete: A legislação quanto às cotas de contratação de deficientes e a fiscalização sobre o assunto estão mais incisivas. Sendo assim, as empresas precisam preparar-se em infraestrutura e em políticas de absorção e manutenção desses recursos humanos. Será que elas estão preparadas?

Não surpresa para mim, a resposta com maior incidência foi NÃO; todavia, o índice é que me surpreendeu; 90% responderam NÃO e apenas 10% responderam sim. É; talvez aqui já estivesse concretizando-se o despeito com a questão antes observada naquela empresa. Diante desta constatação, inevitavelmente soaram agudamente: Por quê? Quais as causas desse despreparo? E mais: quais serão os efeitos, as reações, as consequências? Minhas fontes de respostas a essas perguntas só poderiam centrar-se nos protagonistas e noscoadjuvantes desse ensaio teatral e dentro dos seus cenários; e foi para onde me dirigi.

Há algum tempo, num grupo de estudos em Gestão de Pessoas, durante dois encontros, tratei sobre o tema e tive o privilégio de ouvir e aprender com os demais colegas da área, com pessoas deficientes que estão atuando no mercado de trabalho e com empresários e defensores dessa causa social. Esses momentos de crescimento em grupo são impagáveis. De forma independente e até informal, eu diria, passei a entrevistar, a bater um papo com gestores de pessoas e pessoal de Recursos Humanos de organizações, com o objetivo de contextualizar os conhecimentos e escrever algumas contribuições, segundo minhas observações e análise crítica. “O homem é livre de tudo o que sabe e escravo de tudo o que ignora”. Rohden

Eu escolhi ser livre: compartilhar conhecimentos e promover a reflexão

Cultural e historicamente, as pessoas deficientes, durante séculos, décadas foram tratadas como diferentes, incapazes, dependentes e não raras vezes como despojo social; ora pelas suas próprias famílias, ora pelo governo, ora pela sociedade. Com a tomada de força da luta antimanicomial e as diversas sanções legais direcionadas a essa classe de excluídos, os deficientes, a reflexão em nosso tempo, ao que parece, é um movimento de reversão às avessas. Mais especificamente do que estamos falando, o que antes era indiretamente incentivado e concretamente mantido, agora é um movimento frenético e obrigatório de inserção de pessoas deficientes no mercado de trabalho.

Antes a “ordem” era manter essas pessoas em casa, ajudar suas famílias a instruí-las apenas o suficiente para sobreviverem e se defenderem, e lhes conceder apoio financeiro para os tratamentos pertinentes. Hoje a “contra-ordem” é: estejam eles em escolas regulares, em clubes e praticando esportes, na sociedade como um todo e produzindo para o Brasil. Sim, inseridos no mercado de trabalho, sendo competitivos e contribuindo para o desenvolvimento de sua região e para o seu próprio desenvolvimento e sustento. Isto é intrínseco a todo o trabalhador.

Sem em absoluto desmerecer os direitos adquiridos pelas pessoas deficientes e excluídas, que não são poucas: Lei 8213/91 – acima citada; Lei 7853/89 – apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua integração social, regulamentada pelo Decreto 3298/99 que dispõe sobre a política nacional para a integração e consolida normas de proteção; Lei 9144/95 que prorroga a isenção de IPI na aquisição de automóveis; Lei 9045/95 obrigatoriedade de reprodução proporcional de obras em Braille; Decreto 1744/95 – sobre o benefício de prestação continuada; Lei 8899/94 – passe livre em transporte coletivo interestadual; entre outras leis e decretos. É preciso se questionar quanto ao âmago dessa reversão e suas necessárias reestruturações legais e de planejamento entre governo, empresas e instituições de educação profissional.

“Fechar cotas” não traduz responsabilidade social

“Fechar cotas” não traduz uma ação estratégica de Gestão de Pessoas numa empresa competitiva e diferencial em seu segmento. “Fechar cotas” é cumprir tabela.

Janilton Fernandes Lima, conselheiro do CONADE (Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência) disse em entrevista à Revista Profissional e Negócios, de agosto de 2007, na página 23: “A legislação existente não é suficiente, apesar do grande número de leis: há legislação em excesso, mas não resolve o problema, porque querem consertar a ponta sem corrigir a base. As cidades, órgãos públicos e transportes não são adaptados, as escolas também não; com isso, as pessoas com deficiências em geral não tem formação nem experiência”.

As bases legais tomaram forma desde 1989, existem diversas leis sobre o assunto, como se registrou em parágrafos anteriores; leis que os especialistas dizem ser boas e reconhecidas internacionalmente como uma das melhores do mundo, todavia, defendem eles, como outras leis, não são efetivamente praticadas e acabam por serem “letra morta”.

O fato é que as empresas têm que cumprir a lei; o governo fiscaliza e cobra; as instituições educacionais pouco ou nada formam profissionalmente essas pessoas; os deficientes ou não entendem, ou têm receio, ou se acomodam. Resta-nos a indagação: o que fazer? Difícil, mas quebrar paradigmas, instruir-se, estabelecerem-se parcerias podem ser passos promissores.

Mas como fazer da lei uma oportunidade de aprimoramento e solidez social, ao mesmo tempo ampliando as vantagens competitivas da empresa e tendo coerência em suas estratégias de políticas de Gestão de Pessoas e Negócios? Planejando, preparando-se e agindo; consequentemente, contratando e ajudando a desenvolver e manter o melhor profissional deficiente em sua empresa.

A opinião de Andrei Bastos, do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD) registrada em entrevista à Revista Profissional e Negócios, de agosto de 2007, na página 22, é de que “As empresas não devem empregar apenas para cumprir cotas, devem contratar profissionais com deficiências competentes”.

São preconizantes as reestruturações das empresas em termos arquitetônicos, equipamentos, materiais (softwares, manuais eletrônicos, Libras, acessibilidade e tantas outras providências) antes de anunciar um recrutamento para deficientes. Entretanto, ainda mais precípuos são os movimentos de toda a organização em busca de conhecimentos e de instrumentalização para a implantação desse processo em seu portfólio de ações.

Elaborar estratégias que sejam bem-sucedidas é prioridade das empresas que desejam e que precisam estar em dia com a legislação; de forma tal que a prerrogativa de se buscar novos talentos para assegurar a sobrevivência e, se possível ascensão, ante a competitividade e que velocidade seja garantida, inclusive nas contratações de profissionais deficientes.

Seria interessante que as empresas conseguissem responder de pronto algumas questões sobre:
1 – classificações das deficiências, suas limitações, potenciais;
2 – cargos e funções que poderão ser desenvolvidos por deficientes;
3 – métodos de seleção adequados aos deficientes;
4 – preparo dos colaboradores da empresa para receber e interagir com os deficientes, principalmente diretores, gestores e RH;
5 – plano de carreira e desenvolvimento profissional.

Principalmente, as empresas devem responder com presteza: como e quanto esses deficientes agregarão valor à organização? Por que acreditam que esses profissionais têm potencial a contribuir com o objetivo, com a visão da empresa?

Segundo o IBGE, através do Censo 2000, 14,5% da população têm algum tipo de deficiência; complementando esses dados, a Rais 2007 registra 348.818 pessoas deficientes empregadas no Brasil, assim distribuídas: 50,3% deficientes físicos, 28,2% auditivos e 2,4% mentais. As informações do SINE, Sistema Nacional de Empregos referendam que em 2007 foram oferecidas 36.837 vagas para pessoas com deficiências em todo o país, tendo apenas 7.206 postos de trabalhos preenchidos ao final do período, o que representou 20% do ofertado.

No Rio Grande do Sul, com cerca de 15,33% da população com algum tipo de deficiência, de janeiro a abril de 2008, sob fiscalização, foram contratados 711 pessoas com deficiência, ocupando o 2º lugar no ranking Brasil, sendo precedido, no mesmo período, pelo Estado de São Paulo, que contratou 2.839 pessoas com deficiência.

Lázaro Ramos, ator da Rede Globo de TV, ao falar sobre a peça Método Grönholm, que esteve em cartaz há algum tempo em São Paulo, a qual trata de um método real de seleção de pessoas, do argentino Jordi Galcerán, bastante utilizado em diversas corporações mundiais, salientou: “a peça é um artifício para debater um fenômeno de nossa década. Nos anos 70, vivemos a época do “ser”; nos anos 80, a do “ter” e atualmente estamos na década do “parecer”.

Será que as empresas ou o Governo estão “parecendo” socialmente responsáveis? Como deixar de “parecer” socialmente responsável ou simplesmente “fechar cotas”? Essa é uma resposta que todos nós somos responsáveis em buscá-la, pois esse é um contexto ainda em construção.

Fonte: Site RH.com.br

RH: recrutamento e seleção – a dinâmica da contratação de pessoas com deficiência
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